30.1.08

Noites musicais

Semana passada, Livia e eu assistimos à execução do Requiem de Brahms no Auditório Nacional de Música de Madrid: orquestra do país, regência um pouco burocrática de Joseph Pons, apesar dos solistas. Não esperava nada muito melhor ontem, quando fui dar uma espiada no concerto gratuito da igreja Saint-Sulpice. Lugar fantástico, peça promissora: a segunda sinfonia de Mahler. Cheio, muito cheio: concerto de caridade, com direito a discretas cestas para recolher donativos. Mas não começou bem, tampouco terminou. O bispo entusiasmado, fazendo trocadilhos entre Mahler e malheur (infelicidade). Depois um exagerado regente (o adjetivo foi empregado por um casal de italianos), subia numa das cadeiras convocando o público, constrangido, para cantar. Por fim, a peça executada a meio coro (o resto não teve tempo de ensaiar) e à meia orquestra (levando em consideração as exigências de Mahler). Nada que um ou outro deslocamento de trompistas pela igreja não tornasse, com a gesticulação frenética do regente, ainda mais dramático! Felizmente, a lembrança do concerto do organista Benjamin Alard na igreja Saint Paul, no final de semana, músico que concorre ao prêmio Les Victoires de la Musique ao lado do ótimo pianista David Greisalmmer. E a apresentação comovente de hoje, no Centre Tchèque, do Diário de um desaparecido de Léos Janácek (foto acima, com a esposa), com Joachim Knietter e a cigana Anokï von Arx. Nos links dos músicos, podem-se ouvir trechos de música, como a bela interpretação de Greisalmmer de um Intermezzo de Brahms.

29.1.08

Las Bizarrías de Belisa

Esse é o título da peça que é considerada a última escrita por Lope de Vega. Fui conferi-la no Teatro Pavón já faz uns dias. A versão e a direção são de Eduardo Vasco, os atores são da Compañía Teatro Clásico: Eva Rufo (a encantadora Belisa que passa a gostar de Don Juan), Silvia Neiva (no papel de Lucinda, a rival de Belisa), Rebeca Hernando e María Benito (as criadas, duplos de suas patroas), Javier Lara (Don Juan, apaixonado por Lucinda, mas logo seduzido por Belisa) e David Boceta (sempre dançando com muito humor, era o Conde Enrique, apaixonado por Belisa, é seduzido por Lucinda), Alejandro Saá e José Juan Rodríguez (os criados, divertidíssimos, duplos rebaixados de seus patrões). História simples de troca de casais, montada com muita leveza. Embora o texto fosse o original, o uso de repertório musical contemporâneo e um piano colocado no centro do palco, as belas roupas (a cargo de Lorenzo Caprille), as sugestões simpáticas ao movimento gay, além do arranjo e rearranjo alucinante de cadeiras para situar diferentes cenas ajustaram a peça ao gosto dos dias de hoje.

28.1.08

Piscina do Château-Landon

Inaugurada em 1884, a piscina do Château-Landon (31 rue Château-Landon, Metrô Stalingrad - Louis Blanc), é uma das mais antigas de Paris. Como nos informa o site l'internaute, foi o lugar onde surgiu o biquini, pelo menos em sua versão moderna. Hoje, depois de atrapalhar-me (não sozinho, havia mais 10 estudantes) com o dia do curso de Agambem, resolvi tomar coragem, enfrentar os 2 graus de temperatura noturna, e nadar. Na verdade, nada como mergulhar numa piscina que foi reinaugurada há 10 dias, como nos mostra o vídeo feito pela prefeitura de Paris, aqui. Mesmo sujeito a cotoveladas ocasionais, em meio aos 50 nadadores que dividiam 25 metros por 10. Interessante, ademais, o caráter público dessas piscinas: 30 euros para abonos trimestrais, o que significa que é mais barato do que ser sócio de um clube em Campinas. Aqui, podendo revezar entre as 37 piscinas públicas (algumas em mal estado, é verdade) e, ainda, dividir suas experiências, como o faz o simpático site nageurs.com, com direito a cálculo diário das distâncias percorridas!

27.1.08

Fotos de Madrid

Livia acaba de enviar fotos de Madrid para o flickr, duas delas acima: um casal no Parque del Retiro e a Gran Vía, com seus inúmeros cinemas e carros, e com um movimento à noite incessante: boates perto da calle Hortalezas, bares de tapas na direção da Puerta del Sol, da Plaza Mayor, em que se podem tomar cervejas de pressão por apenas 1 euro. Com sorte, descobre-se um restaurante ou alguma taverna próxima daquelas indicadas pelo guia visual da folha, feito para não se sabe que tipo de turista brasileiro. Uma dessas que descobrimos ao acaso é a Taberna Maceira, na calle de Jésus 7, de especialidades galegas. Sim, barulhenta, com pessoas fumando, outras em pé, sem aceitar cartão de crédito. Mas excelente.

Juan Guelman

O jornal El País trouxe ontem, em seu suplemento literário, além de uma ótima resenha de livros como Religión y democracia, publicado pela Universidade de Granada, e Las Religiones asesinas de Élie Barnavi, e sobre uma exposição de Madrid, Goethe, desenhos de paisagens (até 6 de abril no Círculo de Bellas Artes), uma seleção de poemas de Juan Guelman, ganhador do último prêmio Cervantes:

Una ola de amor que
va de mi cuerpo al tuyo es
una humana canción.
No canta, vuela entre
tu boca y mi verano
bajo tu sol. El calendario no
tiene esta noche o fecha en su papel.
El manantial de vos
cae como vino en la copa
y el mundo calla sus desastres.
Gracias, mundo por no ser más que mundo
y ninguna otra cosa.

Exposições em Madrid

Bom visitar uma cidade e saber que se vai retornar a ela. Percorrê-la sem a pressa de visitar todos os lugares históricos importantes, inutilmente tentando familiarizar-se com a coleção dos museus principais: o Museo del Prado, o Reina Sofía, o Thyssen-Bornemisza, a Real Academia de Bellas Artes San Fernando, dentre vários outros. Em 3 dias, fomos, Livia e eu, apenas à exposição Fábulas de Velázquez do Museo del Prado, que reuniu ao lado da coleção permanente telas provenientes de museus ingleses, como a Vênus da National Gallery (acima), e passamos pelo museu Reina Sofía. Madrid, no entanto, guarda outras exposições para próximas visitas. No Museu del Prado, há uma exposição de obras de El Greco, outra em torno do desenho El Toro mariposa de Goya, outra sobre El Siglo XIX na coleção do próprio museu; todas essas exposições, aliás, com o interesse de divulgar a coleção e novas aquisições. No Reina Sofía, há uma exposição sobre a relação entre Flamenco, vanguarda e cultura popular até 24 de março. No Thyssem-Bornemisza, começa no próximo dia 5 uma exposição sobre Modigliani e há outra sobre Os Mestres modernos do desenho, até 17 de fevereiro. No Museu de Madrid, há ainda uma exposição sobre a história da cidade, gratuita, como em boa parte dos museus de Madrid, aliás, bastando informar-se sobre os horários. Por fim, no Museu San Fernando, que tem também uma programação musical, três exposições: sobre Caligrafia otomana, sobre Esculturas de Velázquez e sobre os Juegos de niños de Goya.

Viagens

Fui encontrar Livia em Madrid na quinta-feira, voltei ontem. Enquanto espero que ela me envie as fotos que fizemos da cidade, com suas praças e museus. E com sua vida cultural e noturna agitadíssimas, às quais pretendo incorporar uma breve agenda de exposições e música (talvez eu já adiante um pouco as informações que consultei). Enquanto isso, vou planejando outras viagens. De fato, depois de fazer um ótimo vôo com a companhia low cost Vueling, com direito a jornal, revistas e espaço, diferentemente das conhecidas Ryanair e Easyjet, busco outros trajetos. Descubro que é possível ir de Madrid pela Ryanair à Bruxelas ou à cidade do Porto ou à Marselha, com a atenção para descobrir se os aeroportos não estão muito longe da cidade, como no caso de Barcelona e Paris. Com a Vueling, é possível ir de Madrid a Amsterdam, Paris, Lisboa, Atenas, Milão, Nápoles, Roma, Pisa, Veneza, ou de Paris à Granada ou Sevilla. Há ainda duas companhias novas, a flyniki.com (não tão barata) e a germanwings.com, com o destino a cidades alemãs. Tudo isso, aliás, gastando em média 50 euros ida e volta por pessoa.

23.1.08

Pausa em Madrid

Este blog estará parado pelos próximos dias, até sábado (possivelmente com fotos de Madrid). Enquanto isso, divirtam-se com as listas dos melhores filmes de 2007 do Cahiers du Cinema, aqui, talvez melhor do que a que saiu para o Oscar. Muitos desses filmes, aliás, reprisados para o festival Télérama, que oferece ingressos a três euros para quem comprar a revista. E dos 100 melhores filmes de todos os tempos: aqui. Em tempo, assisti um dia desses ao filme de Ken Loach, It's a free world, filme político interessante sobre a situação dos trabalhadores ilegais ou imigrantes em Londres. Interessante pela denúncia, menos pelo filme (foto acima).

22.1.08

Centre Tchèque

O Centre Tchèque (rua Bonaparte 18, perto da igreja Saint Germain des Prés) é um dos lugares em Paris com notável programação artística e musical. Compartilhando do ambiente do jazz do bairro, oferece shows todas as sextas-feiras. Mas se volta também à música clássica, privilegiando os artistas nacionais: Martinu ou Janacek, cujo belíssimo Diário de um desaparecido será encenado nos próximos dias 28 e 29. Hoje, num acordo com o Conservatório de Paris, quatro alunos executaram o difícil Quatuor pour la fin du Temps de Olivier Messiaen (foto ao lado), neste ano em que se comemora o centésimo aniversário de seu nascimento. Nesse meio tempo, descobri que as comemorações podem ser acompanhadas nos sites www.messiaen2008.com e www.latriniteparis.com, igreja em que Messiaen foi organista titular.

Histórias de Madrid

Vêem-se poucos policiais nas ruas de Paris, Londres ou Roma. Passam de carro rapidamente, em geral em comboio, quando acionados pelas chamadas telefônicas ou pelas diversas câmeras espalhadas pela cidade. Há militares armados nas estações de metrô e nos aeroportos, mas isso é outra história. Essa suposta ausência é motivo de discussão atualmente na França. É possível ver infrações: pessoas pulando a catraca do metrô, motos percorrendo as calçadas. Na periferia, as coisas complicam-se um pouco. Pois bem, hoje senti-me parte da corporação de vigilantes. Estava Livia num cybercafe em Madrid, quando percebi através de sua câmera um homem observando-a e em seguida aproximando-se de sua cadeira. Dissimulando e não imaginando que eu relatava a trajetória suspeita, tentou capturar sua bolsa, servindo-se de um casaco. Surpreso com seu movimento brusco, fingiu ter abaixado para pegar o casaco e saiu sem importunar. A foto é do site da Kent police.

21.1.08

Cité de l'architecture et du patrimoine

Sabe aquele lugar onde as celebridades em passeio por Paris são fotografadas com a Torre Eiffel no fundo? Pois bem, o Trocadero, mais precisamente o Palais de Chaillot, abriga um museu recém-inaugurado: a Cité de l'Architecture et du Patrimoine (site aqui). Trata-se de um museu dividido em três: o Musée des Monuments Français, o Institut Français de l'Architecture e a École de Chaillot. Projeto que remonta ao final do século XIX: reunir exemplos, cópias, da arquitetura medieval francesa e de sua arte mural. Isso mesmo, cópias/moldes, todos em tamanho natural, de pórticos, górgonas, capitéis de igrejas! Ao lado delas, algumas pinturas murais e reencenações de cúpulas e arcos, com uma certa sensação de cenário. Mas também numerosas maquetes de várias realizações arquitetônicas por toda a França, incluindo uma réplica em tamanho natural de um apartamento planejado por Le Corbusier para um conjunto habitacional em Marseille. Falso, tudo falso. Com uma perspectiva, no entanto, talvez formadora: reunir jovens e oferecer ali a oportunidade de estudar a arquitetura francesa em um só lugar. De todo modo, impressionante. (Uma visita virtual pode ser feita aqui! A foto acima é do site L'internaute).

20.1.08

Richard Wagner, visões de artistas

O título acima é da exposição que está em cartaz na Cité de la musique de Paris. Exposição temática, reunindo obras de artistas que se inspiraram na produção operística de Richard Wagner. Um conjunto notável de telas de Hans Makart e Fantin-Latour, litogravuras de Odilon Redon, pinturas de artistas espanhóis como Rogelio de Egusquiza e Antoni Tapiés. Com todas as virtudes de uma exposição temática, em vez das freqüentes exposições autorais: saltos no tempo, aproximações insuspeitas, confrontação de representações. Da exposição fazia parte, além disso, um curioso objeto encontrado por Edward Kienholz num antiquário após a Segunda Guerra: uma máquina com uma espécie de fole, metálica, que foi usada para difundir a música wagneriana pelo governo nazista. Ao lado da Cité de la musique, está o Conservatoire súperieur de la musique e da la danse de Paris: CNSMDP. Indo até lá e perto da porta de entrada (mais recomendado do que buscar informações completas na internet) é possível encontrar uma extensa e excelente programação de música gratuita em toda a cidade, geralmente dos próprios alunos.

17.1.08

Novidades da internet

O Pandora.com, um dos melhores sites de música na internet, acaba de voltar a funcionar agora no site Globalpandora.com. Lá descobri o Squirrel Nut Zippers, desde já recomendado. No site, indica-se o nome do artista ou da música e ele procura, em seguida, outros grupos parecidos, montando-se uma espécie de rádio. Nos tempos em que o Pandora esteve proibido fora dos EUA, outros sites surgiram. Um deles é o Musicovery. Mas pode-se ouvir música também no youtube, de forma mais autônoma, desde que se tenha conexão rápida. Nele é possível ouvir dois artistas que não param de tocar por aqui, o Mika, espécie de Freddie Mercury pop, e a Yael Naim, com sua música agora no propagandeado novo Mac. O clipe está no link.

Civilizada Paris

Não é mentira, o jornal 20 Minutes do metrô noticia que a SNCF, companhia responsável pelos trens na França, instalará "difusores de perfumes" em algumas estações: Musée d'Orsay, Invalides, dentre outras. Informa-nos que "testa regularmente novos ambientes e se adapta às diferentes épocas do ano". Sutil. Este blog ainda considera a distribuição de portáteis thermals foggers possivelmente mais eficiente. Mas há outras: a redução de impostos para as cadeias de vendas de perfume e produtos de higiene, e a disponibilização de banheiros públicos nos metrôs, com ducha. Um blog francês que tem feito muito sucesso por aqui, de uma senhora atualmente ex-caixa de uma loja, intitulado Cassiernofutur (caixa sem futuro), apresenta um relato divertido sobre um rapaz que conseguiu interditar uma área de venda de revistas em quadrinho, extremamente concorridas.

15.1.08

Museus em Londres

Em 3 dias não é possível visitar muita coisa dos museus de Londres. Reservamos, assim, uma noite para a visita da National Gallery e dois dias para a Tate Britain (antiga Tate Gallery, agora dividida em duas, com um barco fazendo o trajeto de uma à outra por duas libras e cinqüenta) e o British Museum. Na quarta-feira da visita à National Gallery fomos surpreendidos, no entanto, por uma greve de funcionários que fechou quase 2 terços das salas e nos obrigou a retornar no dia seguinte. Valeu a pena. A National Gallery é talvez uma das coleções mais interessantes de Londres. Museu não gigantesco como o Louvre (nada o é), embora com uma coleção abrangente e importante. Reúne lado a lado, por exemplo, a Virgem nas pedras e a Virgem com o Cristo, São João Batista e Santa Ana de Leonardo da Vinci. Tem paisagens lindas de Veneza feitas por Francesco Guardi e Canaletto, que visitou a Inglaterra quando se começavam a divulgar por lá os atrativos turísticos da cidade italiana. Telas importantes de Carlo Crivelli, Tiziano, Rafael, ou o Batismo do Cristo de Piero della Francesca. Museu de pinturas, portanto, como a Tate Britain, esta dedicada aos artistas ingleses: com acervo importante de Turner e Milton, e algumas telas de John Constable (a maior parte de sua produção está no Victoria and Albert Museum que não conseguimos visitar). O que há de mais impressionante nos museus londrinos, todavia, é um enorme conjunto de peças do Parthenon grego, compradas e levadas à Inglaterra entre 1801 e 1805, e exibidas de forma grandiosa no British Museum. Com toda a polêmica sobre o pedido do governo grego para que retornem ao país, há mesmo um folheto justificando a importância da permanência da coleção, em geral esculturas retiradas dos frisos (parte superior e frontal do Parthenon), na Inglaterra. Para uma interpretação bem interessante da tela de Piero della Francesca, cf. aqui.

14.1.08

Madrid, primeiros dias e impressões

Chegada em Madrid dia 12/01, curiosamente (porque, claro, foi sem intenção), no aniversário de 44 anos de morte de Ramón Gómez de la Serna (o Ramón do título do blog). Apropriado lembrar seu nome estando numa cidade que ele reinventou por meio da literatura: a Madrid dos objetos sem valor, do Rastro (feira de antigüidades e de usados em geral), das ruas afastadas do centro, dos parques escuros durante a noite, que, quando atravessados, transmitem o pressentimento do crime embora jamais se saiba se seremos os assassinos ou as vítimas. Madrid pensada e imaginada durante um sem fim de noites em claro, quando ele se punha a escrever. Pois justamente um pouco dessa sensação de trocar o dia pela noite - não aquela dos parques - tenho eu agora, diante do extraordinário horário espanhol. Comércio aberto das 10 às 14 horas e das 17 às 20 horas. Entre as 14 e as 17, almoço e descanso: uns voltam para casa para dormir, outros tomam sol nos parques, outros batem papo num café. Os horários correspondem também a outro tipo de alimentação, que deixarei para comentar noutro momento, com mais calma. Basta dizer que provei já a pina (espécie de ratatouille), o roscón (rosca doce que se come no dia de reis, um pouco antes, um pouco depois, foto acima), o polvorón (uma paçoca feita com amêndoas no lugar do nosso amendoim), além do tradicional queijo manchego e da tortilla.

Madrid, Agamben

Livia já está infelizmente em Madrid, embora otimamente instalada e logo (espero) com acesso à internet um pouco mais freqüente. Hoje, para ocupar um pouco sua ausência, resolvi apresentar-me, sem esperar muita coisa, ao curso de política econômica de Giorgio Agamben no Collège International de Philosophie, na verdade, num auditório minúsculo da gigantesca Paris VI (mapa acima), próximo da escada em caracol número 45B, absolutamente labiríntico. Para um curso, surpreendentemente, nada labiríntico. Agamben formula a hipótese, a partir de um método arqueológico como em Foucault, de que grande parte de nossa concepção atual (e também nosso vocabulário) sobre a relação entre política e economia provém dos textos dos primeiros teólogos sobre a noção de trindade. Para não parecer um paganismo politeísta, como acusavam os "monarquistas" extremamente monoteístas, Hipólito ou Irineu passaram a empregar diretamente do grego a noção de economos. Deus é um só, mas sua manifestação é múltipla, sua forma de gerir a vida terrena, de governar portanto, pode ser compartilhada. O curso se estende por este mês de janeiro, sempre na 4 rue Jussieu, às 19 horas. Mais informações aqui.

12.1.08

Huysmans

Acaba de ser publicada mais uma contribuição minha ao site do Le Monde Diplomatique Brasil, desta vez sobre o escritor Huysmans (foto ao lado). O link para o texto está aqui.

11.1.08

Variedades de Londres

Ou Londres de variedades. Diferentemente de Paris, nas construções arquitetônicas: coisas velhas e novas misturadas, sem que isso seja estranho e apesar de seus prédios antigos reconstruídos, com uma certa sensação de cenário. Variedade de etnias, cidade verdadeiramente cosmopolita. E onde é possível comer supreendentes patos "no rolete" na região do Chinatown, ou pães da Paul (cadeia francesa), cafés do Caffe Nero. As grifes alimentares chegam a espalhar-se em cada região: ao lado do Starbucks e do Mac, o Burger King, os pubs econômicos da cadeia JdWetherpoons, os pizzasHut com suas promoções de pizza e salada a 5 libras. Nada, aliás, do que imaginávamos em termos de preço. Supermercados baratos como em Paris. Muitas promoções na hora do almoço, restaurantes com fila. Variedade ainda nos próprios restaurantes: em que lugar da França, por exemplo, se pode tomar um chá, comer um sanduíche grego, um curry indiano, massas italianas ou exagerados "Fish and chips"? Por fim, variedade no albergue (mais do que em outros albergues), não com relação aos países de origem, mas aos interesses em Londres. Desde turistas, estudantes de retorno para casa, gente que trabalha e prefere viver em albergue, pessoas procurando residência. Numa das conversas, até mesmo um jovem australiano de retorno a seu país, com lembrancinhas para o filho que está para nascer. Voltava de uma viagem de seis meses pela América do Norte, Islândia, Londres e algumas cidades européias, a passeio.

Primeiras impressões, Londres

Não sei se o turismo apressado é capaz apenas de ilusões. Mas para uma cidade cujos personagens principais são Sherlock Holmes, Shakespeare, Beatles e a família real, e cuja vida social parece desenvolver-se notadamente em torno de simpáticos pubs, sempre cheios, a viagem só poderia ser divertida, mesmo com chuva em 60% do tempo. A facilidade de locomoção nos numerosíssimos ônibus de 2 andares, com bilhetes diários de 3,5 libras, garantiu a visita aos quatro museus que planejávamos visitar, museus excelentes como a National Gallery, menos excelentes como a Tate Britain (antiga Tate Gallery, onde não encontramos a tela abaixo de Whistler) e uma vista geral da cidade. A conversão vantajosa do euro para libra (1,38) nos possibilitou comprar livros e desfrutar de copiosas refeições, que é como eles chamam aquela história de peixe frito e batatas fritas ou equivalentes (Londres, aliás, tem cheiro de comida e frituras). O único dia de sol nos deixou, ademais, passear pelos parques e ver a ineloqüente troca de guarda do palácio de Buckingham, acompanhados de não poucos turistas brasileiros, facilmente identificados à distância (e que merecerão posteriormente um tópico a parte). Nota dissonante: o albergue, suas duchas frias e seu super café da manhã "continental": torrada, leite e café.

7.1.08

Londres, 3 dias

Amanhã vamos a Londres, onde ficaremos até quinta-feira: no imprevisível albergue Journey's King Cross. Ida de Eurostar, que agora nos deixa na estação Saint Pancras em quase duas horas, rapidíssimo. E não muito caro, se comprado com antecedência: 70 euros ida e volta. Rapidíssima também a provável correria dos três dias, para várias escolhas: National Gallery, British Museum, Tate Britain e Natural History Museum (para ver os dinossauros), dentre os museus (todos eles gratuitos). Mais os parques (o Regent's Park, o Hyde Park), os prédios públicos: palácio de Buckingham, a torre de Londres. E as igrejas: Saint Paul, Westminster. E nada mais, muito possivelmente: talvez alguns circuitos de ônibus. Ah, previsão do tempo: dois dias de chuva, dentre os três, embora quente para a época, como têm sido quentes os últimos dias em Paris: entre 10 e 12 graus ao longo do dia, 5 no meio da noite. A imagem ao lado, Harmonia em cinza e verde de James Whistler, está na Tate Britain.

6.1.08

Musée Guimet

Novo domingo de visitas gratuitas aos museus de Paris (é bom que se lembre, a alguns museus e em geral apenas às exposições permanentes). Escolha do dia: Musée Guimet, museu nacional das artes asiáticas. Enorme coleção de peças da Índia, Japão, Coréia, Paquistão, Vietnã, China, algumas com mais de dez mil anos. Coleções de objetos, estátuas, desenhos, de um universo tão vasto do ponto de vista físico e temporal, que nos pareceu impossível qualquer fruição razoável, a não ser uma certa sensação de dépaysement, como dizem os franceses. Alheamento, desorientação. Vários Budas, vários Shivas, alguns Brahmas, algumas dançarinas, reis de várias dinastias, um ou outro pórtico mais narrativo a partir do Mahabharata, e ficamos por isso. Mas num museu belíssimo, talvez um dos que dispõem de melhor apresentação de suas coleções em Paris: bem iluminado, quase limpo, belamente decorado. Diferente, aliás, do nosso Masp, em fase terminal, sobretudo se não se encampar o único projeto viável para sua restruturação, conforme propõe o site SOSMasp.

5.1.08

Dia a dia

Para quem passeia pelas regiões turísticas em Paris, regiões centrais sobretudo (1 a 4), talvez seja interessante, por vezes, vir ao décimo arrondissement. Não que estejamos na periferia de Paris, nada disso. 12 minutos de bicicleta da Notre-Dame não é lá periférico, sobretudo numa cidade tão grande e espalhada. Tampouco pelos atrativos turísticos: apenas a Passage Brady (onde vende comida indiana) e o Canal Saint Martin. Mas é curioso saber que, ao lado do Récollets onde moramos, há uma loja de armas, canivetes, espadas samurais e armaduras. Ou que é possível encontrar terríveis congestionamentos para cima do Faubourg Saint-Martin. Ou, tanto mais, que nas saídas do metrô Château d'Eau há pelo menos 30 cabelereiros afro para senhoras e moças, em que é possível fazer um aplique com cabelos importados do Brasil, enquanto seus maridos e rapazes ficam conversando em torno das duas saídas das escadas rolantes. Por fim, num período de restrição absoluta ao fumo, agora já há 5 dias, em todos os bares de Paris, nada como notar as soluções improvisadas dos "bares a tabaco", os mais prejudicados. Diferentemente dos restaurantes e dos cafés, às vezes com pequenas mesas do lado de fora e aquecedores, esses especialistas na venda de cigarro teriam que construir, para se adaptarem, pequenas cabines isolantes. Mesmo eles, isso mesmo, que quase só vendem cigarros e sanduíches, para acompanhar. Como os demais, colocaram, portanto, banquinhos nas portas. Quase todos, na verdade. Um folclórico café de Lyon, assim o definem alguns jornais, vem desafiando a exagerada proibição.

2.1.08

Gustave Courbet

Há meses, na verdade, desde que chegamos à Paris, aguardávamos a visita de hoje, reservada com antecedência, ao Grand Palais, onde acontece até o dia 28 de janeiro a exposição Gustave Courbet. Maior retrospectiva de suas obras, com 120 pinturas, muitas provenientes de coleções particulares e de museus americanos, sobretudo do Philadelphia Museem e do Art Institute of Chicago. Expectativa, portanto, que não se frustrou, mesmo num dia de concorrida afluência ao museu, com suas salas lotadas, cheias de textos explicativos em cada ala (textos mais concorridos do que as obras!), e pessoas com seus audio-guides barulhentos, que deveriam ser banidos dos museus. Exposição belíssima, no entanto, sobretudo na parte das paisagens de Courbet, em suas marinhas (uma delas acima) ou nos retratos com paisagens esboçadas de forma ágil. Mas também pela organização, capaz de reunir os temas principais do pintor (os auto-retratos, as paisagens, a pintura histórica, os nus), como no ótimo catálogo, que a ainda desdobra as referências iconográficas do artista. Única ressalva: o excesso de fotografias que acompanharam a exposição, buscando situar a pintura de Courbet num diálogo com a "realidade" às vezes falso, às vezes mistificador, para esse pintor supostamente "realista".