29.2.08

Veja e Nassif

Acabo de descobrir que a Veja restringiu o acesso a boa parte de seus arquivos. Agora quem quiser continuar a empreitada de Luís Nassif terá de fazer um índice da revista na mão, digitar os textos e escanear as fotos.

O inferno da biblioteca

É só para fazer a propaganda de minha contribuição mensal para o Le Monde Diplomatique Brasil sobre a exposição da Biblioteca Nacional da França. Aproveito para dividir a feliz notícia de que as antologias que organizei no ano passado para a Editora Lazuli, uma delas em parceria com o amigo Pedro Marques, já estão disponíveis para venda no site da Saraiva: a Antologia da poesia romântica brasileira e a Antologia da poesia árcade brasileira. Ah! A primeira indicação do ensaio sobre a biblioteca vai com uma ressalva. É desaconselhado para menores.

28.2.08

Musée Delacroix

Com Livia em Paris neste último final de semana, seguimos pelas visitas intermináveis dos museus, sempre à espera de algum dia de sol para ir à Fontainebleu ou à Versailles ou ao Chatêau de Vincennes. Numa segunda-feira chuvosa pela manhã, escolhemos o Musée Delacroix: casa com ateliê onde residiu o artista, numa pacata rua próxima da igreja Saint-Germain des Prés. Museu surpreendemente lotado na segunda-feira, para a exposição Delacroix e seus amigos de juventude. Talvez pelo excesso de expectativa ou pela visita logo depois do incrível Musée Maillol, situado também na região. Ou pelo fato de a exposição ter substituído o acervo do museu por algumas telas de Géricault, esboços e gravuras de Delacroix, Champmartin e Alexandre Colin. Saímos de lá estimando um retorno próximo e num dia mais conveniente. A imagem acima é a Soirée de la saint-Sylvestre 1817-1818, um dos bonitos desenhos de Delacroix exibido na exposição.

27.2.08

O panteão francês

Imponente, situado na proximidade do Quartier Latin, o Panthéon é um dos monumentos mais importantes de Paris. Destinado a ser a igreja de Sainta Geneviève por Luís XV, depois transformado durante a Revolução, com a morte de Mirabeau, num lugar para acolher os "grandes homens da liberdade", dispostos num subterrâneo absolutamente sem vida (e sem graça): Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Alexandre Dumas, Victor Hugo, dentre vários outros. E que exibe, além disso, o curioso experimento de Léon Foucault, um pêndulo preso à sua cúpula para comprovar o movimento de rotação da terra. Sem as belas pinturas de Puvis de Chavannes (uma aqui), de Jean-Paul Laurens, de Henri Levy, e sobretudo do quase desconhecido Ferdinand Humbert (detalhe acima), sairíamos de lá, Livia e eu, sem nenhum entusiasmo.

Jazz na internet

É só para indicar a ótima rádio online LinasJazz (www.linasjazz.fr), ininterrupta e com participação dos ouvintes na elaboração de sua programação.

24.2.08

Musée Cernuschi

Henri Cersnuchi foi um economista e banqueiro de origem milanesa que se refugiou na França a partir de 1850. Abalado pelos eventos da Comuna de Paris, conforme nos informa o guia do Musée Cernuschi - como um banqueiro, de fato, prevendo a possível apropriação de seus bens - viajou pelo Japão e pela China acompanhado pelo crítico de arte Théodore Duret, oportunidade em que adquiriu em torno de cinco mil obras de arte ou peças arqueológicas. Fomos hoje, Livia e eu, logo cedo, antes de seguir para a Megera domada de Shakespeare na Comédie Française, visitar o museu que reúne essa coleção. Bem menor do que a do Musée Guimet, que parece complementá-lo, não deixa de ser impressionante, sobretudo pela qualidade artística de várias peças, cobres de quinze séculos antes de Cristo, terracotas e um gigantesco Buda japonês do século XVIII, suspenso numa plataforma. A imagem acima é de uma terracota esmaltada chinesa do ano 600, representando um jogador de polo.

22.2.08

Max Jacob

Max Jacob é um dos poetas que me propûs a traduzir nesta temporada, não sem alguma hesitação. De origem judaica e participante das primeiras vanguardas, com uma poesia bem irônica, converteu-se ao catolicismo sem que conseguisse com isso convencer vários de seus amigos. Acabo de descobrir que vai acontecer uma cerimônia organizada pela Fraternidade Max Jacob na frente da residência onde morou (7 rue Ravignan, metrô Abbesses) no próximo dia 5 de março às 19 horas, "cerimônia comemorativa de sua morte", com discursos previstos, poemas lidos, vinho e minuto de silêncio. A imagem ao lado do poeta meditando é de B. Duvert e está no site da fraternidade. Quase me esqueci de dizer, o álbum de fotos na parte sobre as atividades da fraternidade já quase desfez minhas hesitações.

21.2.08

Protocolos

Há sempre uma curiosa mise en scène, para usar expressão francesa tão apropriada, em parte dos colóquios, seminários e cursos a que tenho assistido. Os protocolos são estritos nos colóquios: 30 minutos para cada participante, depois de três apresentações, escassos dez minutos para perguntas e mais dois com o presidente da mesa freqüentemente desculpando-se pela falta de tempo. Em geral, nos colóquios, lêem-se textos mais ou menos feitos para serem lidos em público, para desespero de um auditório impassível ou sonolento. No caso dos cursos universitários, há professores que pausam a cada frase, pressentindo a sua anotação iminente, outros que chegam sempre depois dos alunos e saem rapidamente, evitando o diálogo. Isso para cursos muitas vezes solenes, lidos igualmente a um auditório silenciosíssimo (ou sonolentíssimo). Quando ocorrem variações ainda que sutis naquilo que já é previsto, os efeitos são interessantes. Hoje um senhor aparentemente inofensivo levantou e apontou a porta de saída para um outro cujo celular acabara de tocar, disse: sai, lá fora! Num dia desses atrás, um de meus professores se deixou substituir alegando terem-lhe "arrancado três dentes na véspera". Por fim, agora há pouco uma discussão acalorada talvez tenha deixado traumas irreparáveis aos participantes do colóquio Levinas/Lacan.

20.2.08

Église Saint-Étienne-du-Mont

Quatro meses e tantos lugares não visitados. Com algumas janelas nos horários dos cursos que tenho freqüentado, aproveito para fazer um turismo caótico. Vou visitando o que está próximo dos diversos anfiteatros espalhados pela cidade. Com a programação do Collège de Philosophie há mesmo, para cada encontro de um curso, uma sala diferente destinada. Assim, entrei anteontem nessa igreja da foto ao lado, a Saint Étienne du Mont, que está próxima da simpática rue Mouffetard e do Panteão da Sorbonne. Discreta do lado de fora, mas com uma bela nave resultando num coro em estilo gótico. Construída sobre uma abadia dedicada à Sainte-Geneviève, onde ela mesma repousa, diga-se assim, desde o século VI, seguida um tanto mais tarde por Pascal e Racine, é certamente uma das mais belas de Paris.

19.2.08

Sala Cortot

Alfred Cortot foi um dos maiores pianistas do século XX. Em Paris exerceu a atividade de professor na École Normale de Musique (78 rue Cardinet, metrô Malesherbes), que ajudou a fundar ao lado de Auguste Mangeot. Nela há uma pequena sala de concertos projetada por Auguste Perret, o mesmo arquiteto do Théâtre des Champs-Élysées: a Salle Cortot, de acústica excelente. Nela se revezam alunos do conservatório ou jovens talentos de todo o mundo, sob o patrocínio de algumas fundações, como a Animato. Os jovens chineses Shen Hao e Wang Chun (este último vencedor do prêmio Villa-Lobos de 2006) dividiram hoje um longo e ambicioso recital, com alguns prelúdios de Debussy, peças de Li Ying Hai, compositor chinês, Schumann, o Andante spianato de Chopin, além de seus 12 estudos. Maravilhoso concerto, que entusiasmou os freqüentadores habituais da sala, apesar da acústica implacável com os pequenos detalhes.

18.2.08

Museo Lázaro Galdiano

Alguns sabem usar bem o dinheiro, como esse investidor e mecenas que hoje empresta seu nome a um museu e a uma fundação, e sua esposa, Paula Florido y Toledo. Dois colecionadores infatigáveis, como provam os quatro andares de seu palacete (térreo e três andares, c/ Serrano 122, Madrid), que abriga jóias (a partir do século IV a.C.), pequenas esculturas de várias partes do mundo e em diversos materiais (a partir do século I), objetos em marfim (das caixinhas, confesso, tive inveja), cerâmicas, "retraticos" e miniaturas, armas, moedas, tecidos, pinturas e mais pinturas. Tudo isso reunido num edifício luxuoso, em que cada sala é decorada com material diferente (mármore, madeira em alto relevo, estuque dourado, etc.), com tetos inteiramente pintados. Coleção particular tão impressionante quanto a do Musée Jacquemart-André de Paris ou a Galleria Borghese de Roma. Bom gosto e refinamento indiscutível na escolha de tudo, ainda que se trate de quadros atribuídos, de cópias ou de autorias anônimas. Infinidade de artistas que eu desconhecia e aproximação mais ou menos profícua de alguns de seus prediletos: Eugenio Lucas Velázquez (inúmeras paisagens românticas que, como diria Pablo, não tocam meu coração), Eugenio Lucas Villamil (bom continuador do estilo de Goya, responsável pela decoração dos tetos), Zacarías González Velázquez, Vicente López Portaña. Entre os originais, quadros de Francisco de Zurbarán, El Greco, Michael Sittow, Claudio Coello, Murillo, Bosch, Lucas Cranach e Jan Brueghel, el Joven (acima "La entrada en el arca de Noé"- talvez distorcido - mundo fantástico, exagerado e resplandecente).

17.2.08

Bach e o Musée de l'Orangerie

O departamento de música antiga do Conservatório de Paris vem apresentando já há algum tempo, em diversas igrejas da cidade, um ciclo de cantatas de Bach. O concerto de hoje foi na discreta Église Évangelique Allemande (25 rue Blanche), sob a direção de Catherine Simonpietri. Bom para ver os jovens músicos executando um repertório que escolheram e em meio ao qual se sentem à vontade. Aproveitando o dia de sol, fui de lá ao Musée de l'Orangerie, perto do Louvre. Enfim, ver as Ninféias de Monet e a coleção Jean Walter e Paul Guillaume, este último um importante marchand do início do século XX. Coleção maravilhosa de telas de Cézanne, Renoir, das primeiras obras de Picasso, e de Marie Laurencin, André Derain (algumas lembrando Corot, ao lado), Modigliani (O Jovem aprendiz), Henri Rousseau, Maurice Utrillo e Chaïm Soutine. O catálogo do museu pode ser consultado online.

Atualidades

A empreitada pode parecer quixotesca, mas é impossível não acompanhar com interesse as denúncias que o jornalista Luís Nassif vem apresentando contra a revista Veja. E é tanto mais interessante pelo fato de a maioria dos jornais brasileiros recusar-se a dar espaço ou a sequer mencionar o conjunto de fatos que Nassif vem trazendo. São denúncias graves quanto às possíveis relações entre o jornalismo da revista e interesses empresariais. As matérias podem ser acompanhadas em seu site, ou mais precisamente neste link e nesta outra formatação. Em tempo, até onde consigo ver no emaranhado de relações, não parecem ser moínhos de vento. (A imagem acima é do Museu Dali de Barcelona).

España, 1808-1814, nación en armas

Exposição gratuita do Centro Cultural de la Villa, Teatro Fernando Fernán Gómez (Plaza Colón, 2). Interessante para diminuir a ignorância com respeito à guerra espanhola de independência, dirigida contra os franceses, com aliança inestimável da Inglaterra. Sátiras anônimas divertidas (como a de um burro como conselheiro de Napoleão ou a de um toro chifrando um militar francês, em plena Plaza de Toros, com nobres espanhóis, inclusive um clérigo, gargalhando e aplaudindo no fundo), exibição de armas da época (sabres, pistolas, machados, carabinas, espadas, etc.), uniformes de várias divisões dos exércitos (francês, inglês, espanhol e português), mapas e pinturas inglesas e espanholas de caráter descritivo. Três partes da exposição chamaram a atenção, em ordem crescente. A intitulada Haciendo la guerra a lo moro, que tenta recontar o papel das milícias populares e a formação de caudillos/chefes improvisados. O último momento, dedicado ao uso que as propagandas republicanas (1934-39) fizeram das lutas de independência e dos episódios do 2 de maio de 1808 (nos dois períodos a Espanha esteve dividida, primeiro entre partidários da França e partidários da Espanha, depois, entre republicanos e fascistas). Finalmente, estavam espalhadas pelas salas reproduções de algumas águas-fortes de Goya que compõem a série Los desastres de la guerra (1810-1815). Gravuras sombrias, irônicas e chocantes na medida em que são impiedosas com a miséria humana, tanto a econômica quanto a espiritual. Entre as mais pungentes: Con razón o sin ella, Lo merecía e Contra el bien general (acima, numa versão esmaecida).

15.2.08

Catedral de Toledo

Essa grande catedral (esse é o link, que não faz jus a uma antiga sede religiosa do Império, aviso desde logo) impressiona com o estilo gótico exterior e o mudéjar e plateresco do interior, fortemente decorado, como se, por dentro, ela fosse um grande ostensório, como o exibido na parte dos Tesoros destinados à Procissão do Corpus Christi, de prata e ouro, cheio de pequenas lanças. Nós chiamos um pouco com os ingressos sem redução, mas logo entendemos que o preço valia: coleção de quadros fascinantes, desde Ticiano, Van Dyck, Goya, Caravaggio, e, claro, El Greco, embora tudo com uma luz esquisita, para não dizer mal iluminado. Isso porque noutra parte da catedral há uma clarabóia que ilumina esculturas muito brancas, que parecem desprender-se do teto. Por meio do claustro, sobre um antigo mercado destruído, pode-se entrar numa capela do século XV, restaurada, com pinturas murais alegres: dragões que parecem rir, estrelas amarelas num teto azul celeste (foto acima), um anjo da Anunciação de asas quase transparentes nas extremidades, de tão leves. O altar-mor - com cenas da vida do Cristo emolduradas por um retábulo dourado - tanto quanto o coro - inteiramente construído de madeira, em que cada assento tem entalhe próprio, com bichos fantásticos, a representação seriada da queda de Granada e imagens do Antigo Testamento - certamente estão entre as coisas mais lindas que existe.

Arte contemporânea em Paris

Acabo de reunir alguns links para espaços de arte contemporânea em Paris. O primeiro deles é o site da Rede arte contemporânea Paris/Île de France, autodesignados Tram. Organizam inúmeras manifestações ou mesmo promenadas artísticas de ônibus, a 5 euros, incluindo as entradas nos museus : nos próximos dias 23 de fevereiro, 29 de março e 12 de abril, por exemplo. Reúnem, além disso, informações sobre outras manifestações na cidade, como as dos espaços La Maison Rouge, do Jeu de Paume ou da École National Supérieur de Beauxs-Arts. Outro deles é o Point Éphémère, espécie de antigo armazém com música, restaurante, residência de artistas e exposições. Incluo na lista ainda dois lugares que pretendo visitar esta semana: a Fondation Cartier e o Musée Zadkine, onde haverá uma palestra com o poeta Jacques Réda no dia 17 de abril às 19 horas. Acima, o Bouquet de Zadkine.

Arte contemporânea em Madrid

Duas exposições de arte prá lá de contemporâneas em Madrid. A primeira, Art Madrid, no Recinto Ferial Casa de Campo. A segunda, maior e mais extravagante, é a Feria ARCO 2008, que na sua 27ª edição recebeu Gilberto Gil para a abertura, pois o Brasil é o convidado do ano. Convidado, expoente ou estrela, embora segundo uma crítica de El País não fosse muito fácil encontrar as galerias brasileiras ou “las dedicadas al arte emergente” (fiquei me perguntando o que queriam dizer com isso: além de emergentes social e economicamente também o somos artisticamente? Oras bolas...). Muitas propagandas por toda a parte, embora sem o preço dos ingressos: 10€ a primeira, 32€ a segunda. Conclusão mais ou menos óbvia dos emergentes: melhor ir ao Prado, ao Reina Sofía ou ao Thyssen ver a produção de um tempo quando a arte não era tão evoluída. Vantagem: gastar entre 0 e 5€.

14.2.08

Dois museus em Toledo

Em toda a cidade, e sobretudo nas igrejas de Toledo, há qualquer coisa já de museu, num sentido bastante positivo. Muito da história romana, visigoda, judia, muçulmana e, enfim, espanhola, foi preservada. Museu cheio de vida e de pessoas (pequena digressão merecem os carros que estão por todos os lados, ainda que muitas vezes pareça quase impossível a presença deles em ruazinhas tão estreitas - há mesmo muros escavados, não sabemos se por ordem prática ou por acaso). Nosso guia indicava como visita obrigatória o Museo de Santa Cruz (pórtico acima), antigo hospital, construído em estilo renascentista, com tapeçarias de flandres do século XV incrivelmente conservadas, também trajes luxuosos de padres, esculturas medievais, azulejos antigos, o retábulo La Asunción (1613) de El Greco e outros quadros dele, cuja produção, percebemos facilmente, é heterogênea. Mas o que realmente nos surpreendeu e intrigou foi o Museo de los Concilios y la Cultura Visigoda ou Iglesia de San Román: uma mistura, difícil de desfazer no caso de leigos como nós, de elementos de várias proveniências. São pinturas com inscrições em árabe ao mesmo tempo em que se representam episódios da vida do Cristo ou dos doze apóstolos. Colunas com delicadas volutas romanas, sustentando aberturas copiadas da Sinagoga de El Tránsito. E o edifício mesmo, em seu conjunto moçárabe (mudéjar), com decorações que parecem rendas diminutas, construído sobre os restos de uma igreja românica.

Inatualidades

Livia tem razão, o blog nunca será atual. Vamos juntando algumas notas de viagem, observações sobre exposições ou concertos, mas a impressão é sempre de um atraso ou de um esquecimento quanto às coisas mais cotidianas ou mais peculiares. Algo como o fato de eu ter assistido esta semana aos cursos de Bertrand Marchal sobre as Divagations de Mallarmé, de Michel Zink sobre o amor em alguns poemas medievais, de Michael Edwards sobre Shakespeare e Manet, de Pierre Brunel sobre os poetas mauditos do século XX (que me fez abandonar o curso de Antoine Compagnon no Collège de France). E ter ido ainda a uma palestra de Michel Deguy, um pouco incompreensível e talvez por isso muito aplaudida. Por fim, confundi-me mais de uma vez com os horários dos museus e ainda, portanto, não fui ver a exposição sobre os amigos de Delacroix no museu que lhe é dedicado. Nada, de fato, tão emocionante quanto a viagem para Toledo. Mas suficientemente atribulado (isso e mais a preparação da agenda, que nunca termina), a ponto de deixar o blog meio de lado. (A foto acima é do relógio do Musée d'Orsay, que visitei hoje pela segunda vez, depois que descobri mais um benefício de minhas inúmeras carteirinhas, não sem antes aguardar a inspeção detalhada de suas informações.)

13.2.08

Sabores e estranhezas típicas não só deToledo

Ainda na rubrica alimentação, apesar da foto da espada ao lado (nesse momento, aliás, em que Livia tem passado por episódios curiosos). Em Toledo, experimentamos alguns sabores típicos: a "tarta de mazapán" no ótimo Café de las Monjas (c/ Santo Tomé, 2), a "perdiz estofada", a "sopa de lentejas y chorizo" no Restaurante Mesón-Palacios (Alfonso X el Sabio, 3), o peixe "emperador" no acanhado restaurante do hotel em que ficamos (Hotel Imperio, c/ Cadenas, 7). Tudo relativamente estranho, como era de se esperar. Ainda um docinho, a toledana, com recheio de amêndoas maçarocadas e uma espécie de doce de cidra (na c/ Cardenal Cisneros, ao lado da catedral). Incapazes, como sempre, de comprar lembrancinhas e coisas do gênero, víamos os turistas saírem com pacotes de mazapánes (com uma variedade incrível: com recheio, cobertura, em forma de figurinhas, etc). Percebemos então que alguns levavam consigo algo mais. Isso mesmo: espadas, armaduras e escudos, comprados em uma infinidade de lugares, de materiais, tamanhos e estilos (Aragorn, Dom Quixote, Escalibur) para todos os bolsos e todos os gostos. Com uma dúvida, aliás: o que fazer com o detector de metais na entrada da estação de trem?

12.2.08

Restaurantes em Avignon

Não é preciso dizer, mas a parte dedicada à sobrevivência durante as viagens é sempre um assunto importante. Bons endereços, capazes de proporcionar descobertas ao menos quanto à culinária local (Macdonald's excluído, portanto) são, por vezes, difíceis de serem encontrados. Ou porque temos a impressão de que nos guias, com poucas exceções, há acordos comerciais: o restaurante "anuncia". É o caso do Guia da Folha: em Madrid, onde tudo está sempre cheio, os restaurantes recomendados estavam notadamente vazios. Porque são coisas para turista: na praça do Relógio em Avignon havia alguns (é a história do "menu local internacional"). Ou porque custam caro e não correspondem muitas vezes ao "investimento". Para escapar deles, o Routard ajuda bastante (vi mesmo numa livraria informações de restaurantes do Rio de Janeiro, que me pareceram certeiras). Outra estratégia é conversar nos próprios hotéis, quando eles não têm restaurante. Com tudo isso, menciono dois restaurantes excelentes que descobri em Avignon (mesmo no fórum do Routard francês, ninguém tinha indicações sobre isso). Restaurante Le Pili (34, place des Corps Saints), para ótimas pizzas noturnas e bons pratos econômicos durante o dia. Restaurante Le Caveau du Théâtre (16, rue des Trois Faucons, foto acima) que é uma cave de vinhos, para um jantar com boa música, pratos inventivos (salmão defumado com chantilly de wasabi e avocado, acompanhado por um pavê de touro com pasta de azeitonas verdes e terrina de champignons), preços razoáveis e ótimas sobremesas.

11.2.08

Toledo, primeiras notas

Verdade que fomos ver essa jóia e que chegamos lá em apenas meia hora, num novo trem da AVE que sai da Estación Atocha de Madrid. Dois dias inteiros e muito para contar, por isso logo mais desdobraremos essa postagem em outras, com detalhes de nosso passeio. Por ora devemos dizer que caminhamos feito doidos, ladeiras abaixo, ladeiras acima. Nos perdemos por algumas ruelas medievais desse grande burgo que foi romano, visigodo, muçulmano e cristão, com momentos de convivência pacífica alternados com outros de massacre. Toledo foi, além de tudo, grande centro de traduções no reinado de Alfonso X e capital do Império espanhol no século XV, com os Reyes Católicos. Nos anos da guerra civil (1936-39), conheceu muitas disputas, dessa vez entre os próprios espanhóis, divididos entre republicanos e falangistas. Mas nada disso seria tão incrível se de cada um desses eventos a cidade não tivesse deixado testemunhos. Eles estão por toda parte: no Alcázar (séc. III), na Mezquita del Cristo de la Luz (séc. X), no Museo de Santa Cruz (antigo hospital), na magnífica e gigantesca Catedral, na Sinagoga del Tránsito (também Museo Sefardí, de 1366) e na de Santa María la Blanca (séc. XIII), no Monasterio (franciscano) de San Juan de los Reyes (séc. XV), na Iglesia San Román, na Iglesia de San Idelfonso (jesuítas), nas portas que protegiam a cidade (Puerta del Sol, de Bisagra, de Alfonso VI, Cambrón), nas pontes que cortam o rio Tejo. E ainda não mencionei as pinturas de El Greco, que estão espalhadas por toda a cidade, ainda que o museu dedicado a ele estivesse fechado para reforma. Suas telas podem ser encontradas, entre outros lugares, na Iglesia San Tomé (onde apreciamos o famoso El Entierro del señor de Orgaz) e no Convento Santo Domingo El Antiguo.

Combates e enterros: carnaval?

Domingo retrasado (será que algum dia o blog voltará a ser atual?), carnaval de Madrid. Na Plaza Mayor, o belo combate entre dois personagens: Don Carnal (que representava a gula e os pecados da carne) e doña Cuaresma (penitência, jejum e abstinência), com tochas, fumaça, esqueletos, homens vestidos de frutos do mar. E, claro, um pouco de chuva! Nesse teatro, celebrado desde a Idade Média, vence Cuaresma. Talvez por isso o carnaval, por aqui, soe baixinho, com um só pouco de música, também com homens que limpam a praça logo depois de as cinzas e os confetes de doña Cuaresma terem sido jogados nas pessoas, nas ruas, nos edifícios. O mesmo aconteceu na quarta, no Entierro de la Sardina. Um grupo de viúvos, viúvas e pessoas fantasiadas de vela acompanhavam o féretro de outro grupo de sardinhas: em caixõezinhos ou frescas numa cesta bem arrumada. Nas duas festas - que são mais peças de teatro bem simples do que qualquer outra coisa - os que se divertem de verdade são os foliões. Os outros são espectadores e curiosos.

6.2.08

Toledo

Mais uma vez, nesse período ainda de relativas férias escolares (que dura até semana que vem, quando recomeçam os cursos a que assistirei na Paris 4 - Sorbonne: por ora acompanho alguns colóquios e os cursos de Antoine Compagnon e Michael Edwards no Collège de France), iremos, Livia e eu, a Toledo, cidade próxima de Madrid. O blog ficará parado até segunda-feira que vem.

5.2.08

Avignon

Foram apenas dois dias em Avignon, ensolarados, embora numa época ainda distante do famoso festival de teatro, quando as ruas da cidade se vêem tomadas de performances e montagens, e os muros medievais tornam-se estreitos para a multidão de turistas, muitos que já reservaram hotéis para julho. Fiquei no adorável Hotel Mignon, próximo às praças centrais, perfeito para a descoberta do Palais des Papes (foto acima) e da Praça do Relógio, das várias igrejas medievais: de São Pedro e sua porta esculpida, de São Agricol, dos Carmos, do templo São Marcial. Tantas igrejas, fechadas na maior parte das vezes, que é mesmo difícil imaginar Avignon como uma cidade violenta (há pouco tempo atrás uma das mais violentas da França), como me preveniram num dos museus, centro de distribuição de drogas que vêm de Marseille! Difícil, por suas ruas pacatas e clima interiorano: é possível passar pelas mesmas pessoas duas vezes no mesmo dia. Cidade sem "fromageries", pelo que pude me informar, e possivelmente sem cybercafés. Do Hotel Mignon, pude ir ainda à graciosa cidadezinha próxima, do outro lado do rio, Villeneuve lez Avignon, com seu forte Santo André e a Chartreuze, claustro medieval, com fotos que colocarei mais tarde no flickr. Por fim, Avignon ainda do Museé Calvet (e suas coleções de telas de Joseph e Horace Vernet, de Nicolas e Pierre Mignard), do Petit Palais (e sua coleção de obras de arte medieval e do renascimento), do Museu Angladon e da Coleção Lambert, fechada infelizmente em fevereiro. Mas cidade sobretudo da Ponte Saint-Benezet e do Palácio dos Papas, na verdade, uma "fortaleza" para os papas em 1300, construída numa de suas partes mais altas, que pode ser vista à distância. Na visita a seu interior, é possível encontrar mesmo um dos melhores testemunhos de arte mural medieval francesa, quase inteiramente conservado: o quarto do cervo (detalhe aqui).

3.2.08

Ferdinand Hodler no Musée d'Orsay

Hoje aproveitei o domingo gratuito nos museus de Paris para retornar ao Musée d'Orsay, sempre lotado nessas ocasiões (foi a oportunidade, aliás, para confirmar os benefícios de minha carteirinha de pesquisador; mas isso numa próxima vez). De todo modo, imaginando essa próxima vez, detive-me apenas no primeiro andar e sobretudo na exposição principal do museu, dedicada a Ferdinand Hodler, pintor suíço do final do século XIX - exposição que terminava hoje. Supostamente precursor do expressionismo, nesses caminhos sempre tortuosos da história da arte, foi a oportunidade de conhecer uma obra interessante. Com belas paisagens marítimas verdes-verdes. Algumas telas de um universo simbolista luminoso e perturbador, como La Nuit de 1889-90. E com magníficas paisagens de montanhas violetas e azuis, com nuvens espaçadas como se formando uma frase imaginária. Por fim, interessantes representações femininas, como o Portrait de Gertrud Müller e Jeune fille au pavot vert. Para mais informações, aqui o link para o site da exposição no Musée d'Orsay.

No country for old men

Vi que acabou de entrar em cartaz no Brasil o filme a que assisti ontem, dos irmãos Coen, diretores de Fargo (1996), Este país não é para velhos (em Portugal)/ Onde os fracos não têm vez (site oficial aqui), título original tirado do poema Sailing to Byzantium de William B. Yeats. Violento, inquietante, inscrito talvez a partir do que o poema indicaria no verso "those dying generations", essas gerações que morrem - no filme, diante de um xerife, Tommy Lee Jones, que apenas observa melancólico. A morte e a "marca da maldade" (para retomar o filme de Welles), além disso, estão presentes no personagem sombrio e fantasmático de Javier Bardem, um psicopata assassino, circulando na cidade com sua arma de pressão (acima). Não é possível contar mais sobre esse filme absolutamente pessimista, com seu falso herói, um caubói que descobre uma maleta de dinheiro proveniente de um conflito entre traficantes. Com sua ironia mordaz e surpreendente, nos diálogos aparentemente gratuitos à la Tarantino. Porém com um registro de filmagem muitas vezes lento, mas sem deixar de ser imprevisível. Soube, aliás, que a recepção entre um certo público, que talvez tenho ido ver o filme em virtude das indicações para o Oscar, decepcionou. Talvez seja justamente por isso. Já é uma boa justificativa para dar uma espiada.

2.2.08

Amazonas del arte nuevo

Exposição gratuita na Fundación Mapfre de Madrid. Reunião de quadros e de algumas esculturas produzidas por quarenta e uma artistas entre 1880 e 1950. Nas melhores obras o que há de comum, além do sexo das autoras, é certa melancolia no modo de representação: “L’espagnole” de Marie Blanchard, “Climat tragique” de Marianne von Werefkin, “La funambule” de Marie Laurencin (autora da tela acima, mas não a da exposição), “The cards player” de Meraud Guevara, “Femme avec des fleurs” de Romaine Brooks, “Mujer sentada con un niño en sus brazos” de Mary Cassatt, “Niña durmiendo” de Ángeles Santos e os belíssimos, realmente belíssimos quadros de Louise Breslau, entre eles “Sous les pommiers - Portrait de Mlle Feurgard” (1886), de figuração acadêmica e com a palheta viva da futura vanguarda. Se não há melancolia no gesto, no olhar ou na paisagem retratada, ela estará na palheta de cores, com muitas escalas de cinza: “Au bord de la mer” de Romaine Brooks, “Vergewaltigt” de Käthe Kollwitz, “Bretonne avec bebé” de Mela Muter, “Femme espagnole en gris” de Natalia Goncharova, “Mains et ponts” de Suzanne Roger. Nota dissonante para o surrealismo de Maruja Mallo, que eu conhecia de ouvir falar, e que não gostei de ver; também, mas por razão contrária, para os quadros de Leonora Carrington que apesar serem apenas dois me surpreenderam bastante.

Carnaval

O simpático cartaz ao lado é de 2004 e sua "Promenada do boi gordo" (atualmente, aliás, em tempos de embargo). Amanhã, no entanto, conforme indica o site da prefeitura de Paris, acontecerá novamente o Carnaval de Paris. É certamente mais modesto do que passar uma divertida noitada no sambódromo paulistano, na companhia das autoridades estaduais. Mas guarda a sua dimensão de festa de rua, diurna. O "cortejo", assim chamado, irá do vigésimo arrondissement até o Hôtel de Ville, a partir das 15 horas. Com um pouco mais de ânimo, é possível emendá-lo com à visita às exposições gratuitas (primeiro domingo do mês) pela manhã. Não pensem, todavia, que seja bastante organizado. Até o presente instante o site carnavaldeparis.org está fora do ar.

1.2.08

La Latina

Alguns passeios pela parte mais antiga do distrito La Latina, que em sua extensão completa compreende os bairros Los Cármenes, Puerta del Ángel, Lucero, Aluche (onde moro), Campamento, Cuatro Vientos e Las Águilas. Sempre acompanhada de minhas anfitriãs madrilenas, Angustias e Belén. Ora para comer patatas bravias (batata cozida com molho picante) e tomar mosto (suco de uva), ora para ir ao teatro (Las Bizarrías de Belisa) ou ver o filme Michael Clayton no Yelmo Cineplex. Também para conhecer uma ou outra rua e as lembranças de Angustias, sobre sua infância, uns amores e a guerra civil. Espaço da feira do Rastro, tantas vezes evocada por Ramón e que a força de tanto imaginar antes de conhecer não podia deixar de trazer frustração: "Isso não passa de uma grande feira de usados e de artigos hippies!". A esse espaço, antigamente considerado "castizo", se junta uma nova face, não sem incômodo para muitos: a de um bairro de imigrantes, sobretudo chineses e dominicanos, que tomam as ruas e os pequenos comércios.