30.11.07

Pérolas, Maré vermelha

Alberto Dines, do Observátorio da Imprensa, escreveu mais uma pérola de nosso jornalismo (aqui): recaída autoritária com referendos populares, decididos no voto? Justamente num dia em que a imprensa brasileira, pelo menos os sites de notícia da internet, não disseram uma palavra sobre a Maré Vermelha na capital da Venezuela (foto ao lado). E vejam que ontem, no dia das manifestações anti-Chávez, todos eles estamparam na página principal os protestos contra o referendo.

O cavaleiro errante

Para aqueles que buscam infomações de Fabrício Matheus, conhecido Mineiro de São Sebastião do Paraíso, novas notícias: depois de seguir de Paris para Bruxelas, Antuérpia e Bruges na Bélgica, Amsterdam, Hannover e Berlim, está agora em Praga, República Tcheca, passando possivelmente um frio desgraçado. Para aqueles que forem à Antuérpia, informa-nos que um hostel reserva quartos para viajantes que, em vez de dinheiro, prefiram pagar com pequenos serviços.

La Sainte Chapelle

Fomos à Sainte Chapelle no domingo passado, cedo para evitar a fila que normalmente se forma do lado de fora já pela manhã. Com muitas expectativas: o guia Routard, por exemplo, falava de "jóia da arte gótica". Talvez por isso, a despeito do vídeo que segue abaixo e do fato de que a igreja ostenta belos vitrais sem a necessidade de uma estrutura de arcos laterais, preferimos o passeio pela Conciergerie. Segue, mesmo assim, o vídeo da Sainte Chapelle, que consegui converter do formato do Quicktime (que veio com a câmera) a um formato compartilhável, depois de peregrinar pela internet e instalar/desinstalar pelo menos 3 programas, até achar o Super. Por falar em programas, o Houaiss e o Petit Robert resolveram teimar em não funcionar sem a inserção dos cds de instalação que ficaram em Campinas.

Literatura comparada

Para que não pensem que vivemos só de brisa, explico que o dia de hoje, sendo prévio à representação de Pedro et le commandateur que veremos amanhã na Comédie-Française, foi dedicado à leitura do texto de Lope de Vega em que se baseou a montagem: Peribáñez y el Comendador de Ocaña (1610), inteiramente disponível no site da Biblioteca Miguel de Cervantes. A peça é dirigida pelo colombiano Omar Porras (?), com coreografia de Fabiana Medina, cenário e máscaras de Fredy Porras. Os atores principais são Laurent Stocker (comendador de Ocaña, pequena vila onde se passa uma parte da peça; a outra ocorre em Toledo), Laurent Natrella (Pedro Peribáñez) e Elsa Lepoivre (a bela Casilda). Lope de Vega (ao lado) é o outro lado do curso ministrado por Chartier no Collège de France, que trata de Shakespeare, Guillén de Castro e Miguel de Cervantes. Um ano antes de Peribáñez, Lope de Vega publicou Arte nuevo de hacer comedias, em que faz uma série de recomedações para o teatro: eleger o personagem e não ter pudores quando se trata de um rei, misturar o trágico e o cômico, realizá-la com o menor tempo possível, deixar a solução para o fim “porque, en sabiendo el vulgo el fin que tiene, vuelve el rostro a la puerta y las espaldas”. O silêncio deve ser evitado, as palavras não podem ser gastas à toa, tudo deve ser verossímil e “Los casos de la honra son mejores, /porque mueven con fuerza a toda gente”. Pobre, assim, do comendador, primeiro nobre morto por um camponês porque este viu sua honra ferida!

28.11.07

Museus aos domingos

Enfim, no mar de museus de Paris, uma lista com alguns dos que abrirão gratuitamente no próximo primeiro domingo do mês, e nos seguintes. Sabendo-se que o menos de 26 anos daqui (no caso de Livia) exclui os 26, e que a minha carteira de professor e pesquisador nem sempre parece convincente aos bilheteiros dos museus, capazes de expressões faciais estranhas (como puderam constatar Nádia e Kátia), vamos a ela: Musée du Louvre, Musée national d'art moderne (Centre Pompidou), Musée de l'Orangerie, Musée Picasso, Musée du Moyen Âge (Thermes de Cluny), Musée Delacroix, Musée d'Orsay, Musée Rodin, Musée Gustave Moreau, Musée des Arts d'Afrique et d'Océanie e Musée des Arts asiatiques-Guimet. Em torno de Paris há também outros museus: Musée de Versailles et de Trianon, Musée des Antiquités nationales, Musée des Granges de Port-Royal, Musée du château de Fontainebleau, Musée des châteaux de Malmaison et Bois-Préau Malmaison, dentre outros. A lista completa está aqui, sobre a qual não tive tempo de colocar o link para as páginas internet. A imagem ao lado é a Salomé dançando da coleção do Museu Gustave Moreau, que pretendemos talvez visitar nesta semana.

27.11.07

Doença

Um dos rapazes que morreu anteontem, em Villiers-le-Bel, tinha um blog. Após a sua morte, juntaram-se a poucas mensagens de condolências várias páginas de comentários racistas. Desesperador. Segue o link para a matéria no Libération. A violência ainda se estendeu pela noite de ontem, com 77 policiais feridos, 4 jovens presos, e um chefe de polícia chamado, por ironia, Mohamed Douhane. Link no dailymotion aqui.

26.11.07

Paris, de 1 a 3 dias

Depois que Ann se foi, numa visita tão rápida que nem tivemos tempo de fotografá-la, foi a vez da chegada de Kátia, que se juntou a Nádia. Se esta levou três dias exaustivos para conhecer Paris, com caminhadas, passeios de metrô e de ônibus, Kátia vapt-vupt levou um dia, e ainda tentou convencer o Pablo a gravar um depoimento para certa formatura de alunos queridos. As duas fizeram tudo a que tinham direito: satisfação da gula no Chez Maurice, passeio pelo Quartier Latin e a Notre Dame, susto com o Panteón, compra de queijos na rue Mouffetard, visita ao Louvre, escalada ao Sacre Coeur com pausa no decepcionante mas ainda assim “bonito de fotos” Moulin Rouge. No Boulevard Haussman, "momento beleza" na Printemps e descoberta da vista noturna de Paris a partir de seu último andar, além da cúpula da Galerie Lafayette. E não é tudo: Sainte Chapelle, Conciergerie, espiada no Marrais e almoço em frente ao Sena (não sem perigo para os rins), sol de fim de tarde no Jardin de Luxembourg, peculiar deambulação de Kátia pela Saint Sulpice, vista do Arco do Triunfo e marcha atlética pelos Champs-Élysées!

Duas notícias

Dois adolecentes morreram ontem na periferia de Paris, em Villiers-le-Bel, depois de uma colisão com um carro de polícia que os perseguia, porque estariam sem capacete (notícia aqui). As versões são variadas e o acidente instaurou uma onda de violência e confrontos na cidade durante toda a noite (foto ao lado). Na Venezuela, um homem morreu em protestos contra Chávez (não, ele não era da oposição, só ia ao trabalho pela manhã). Talvez tenha sido, como nos informa a Agencia Bolivariana de Noticias, assassinado pelos manifestantes anti-Chávez. Qual das duas vira manchete no site do Terra/Telefónica? Resposta aqui, dos mestres da ambigüidade.

24.11.07

Preocupações, Diplô

Minha mãe está preocupada e me enviou um e-mail: "vc não acha que está pegando pesado no seu blog?". Ela se refere às minhas observações sobre o Sarkozy, sobre o qual prometo não falar mais, ainda que ele tenha assinado ontem, junto com as gravadores de discos, uma lei de restrições de liberdade na internet. Deixo a indignação para os jovens que já se manifestaram no site do Libération, aqui. Assim, apenas indico que hoje dois de meus poemas foram publicados pelo Rodrigo Gurgel no site do Le Monde Diplomatique Brasil, na companhia de Pedro Marques, Catalão, Gregório, Polli, e tantos outros. Boa companhia, aliás. O link para a seção Palavra, coordenada pelo Rodrigo, e que vai ao ar toda a sexta-feira, está aqui. Último comentário: a imagem ao lado é de um livro de quadrinhos sobre o Sarkô, publicado por Philippe Cohen, Richard Malka e Riss: com o trocadilho ótimo no título, cachée (escondida), karcher (espécie de mangueira de água, parecida com o nosso vaporetto) com que Sarkozy pretendia retirar os manifestantes da rua (na verdade, o contexto é mais complicado: trata-se de limpar, higienizar), na época em que queimaram carros em Paris.

22.11.07

Greves, visita

Hoje e ontem, ainda os problemas da greve: ônibus cheios, Sorbonne praticamente cercada por policiais, agora que os estudantes do secundário resolveram aderir à greve contra a reforma educacional, conforme vem sendo proposta pelo governo, quase sem negociação. Três notícias, no entanto, novas. A primeira é que amanhã os funcionários da companhia de trem SNCF voltarão a trabalhar. A segunda, é que consultei no jornal Libération publicado dias atrás (na edição em pdf, disponibilizada gratuitamente no site) uma matéria que talvez responda à minha má vontade com a jornalista do IG. Nos jornais da Globo é relativamente comum uma certa dramatização dos eventos e da economia através de entrevistas com pessoas "comuns" e do relato de suas vidas. Mas nunca, todavia, quando são funcionários ou famílias de trabalhadores no momento de suas reivindicações. Foi o que fez o Libe na versão de anteontem. Mostra que há uma classe de trabalhadores que, de fato, enfrenta uma dificuldade interessante: passam muito pouco da linha dos que recebem ajuda do governo, auxílios moradia, etc, e no entanto, não têm salários razoáveis, mesmo, às vezes, depois de 25 anos de serviço público. Por fim, última novidade: estamos fazendo planos para a chegada, nas próximas horas, de nossa amiga Nádia e de sua colega inglesa Ann Slenn (nome divertido, não?), que acaba de retornar do Japão, onde fez um curso de gastronomia com o famoso chef Pai Mei (em japonês, 白眉: sobrancelha branca).

20.11.07

Outras fontes

Só algumas outras fontes de informação para a greve dos últimos dias: Mobilisationparis3, Parisetudiant, l'Humanité, Agen-Nanterre, Paris4philo, Blog des socialistes de SciencesPo, Indymedia, Grèves solidaires, Resistance-antisarko, Sarkofrance. Para dizer que o alcance do movimento é notável e que a imprensa majoritária, com o desejo de mostrar um Sarkozy muito seguro diante das reformas, talvez complique a sua vida. Uma sondagem em l'Humanité já indica que 53% dos franceses simpatizam com a greve dos funcionários públicos. Há fotos das manifestações dos últimos dias no site de Patrice Leclerc. Em tempo, vejam o modo como a imprensa do Brasil cobre a manifestação. Chega-se a falar de caos, de prejuízo para os comerciantes e isso "independente da legitimidade das causas". Lições de mal jornalismo: não é o transtorno que deveria ser notícia, mas as causas, a legitimidade das causas, justamente. Com os "franceses reféns de uma greve" até parece que os grevistas nem são franceses (e talvez sejam bandidos) e que se trata de uma greve, quando na verdade são pelo menos três: dos ferroviários, dos estudantes e de quase todas as categorias do funcionalismo público.

Bibliotecas

Ontem algumas conveniências e inconveniências nos levaram à biblioteca de pesquisa da BNF. Universidades fechadas, excesso de documentos que a BNF dispõe para consulta mesmo na área de literatura espanhola. Além disso, em dia de greve, a linha 14, que leva justamente à Bibliothèque François Mitterrand, foi a única que funcionou normalmente, porque não depende de condutor. Até aqui, de fato, conforme recomendação da própria Biblioteca Nacional, consultávamos outros acervos: da FMSH, da Sorbonne, do Centre Censier. Mas nada se compara. Fazemos nosso, aliás, o entusiasmo do amigo Catalão. Temperatura razoável (as outras bibliotecas colocam o aquecimento no máximo), facilidade na pesquisa e encomenda de livros, que podem ser reservados na véspera, (na Sorbonne, por exemplo, é preciso preencher fichas e restringir a pesquisa a poucos livros num único dia), cadeiras confortáveis, luz excelente e silêncio. A foto ao lado é de uma das alamedas de consulta. Um esquema geral está aqui, que explica a diferença entre a biblioteca de estudo e a de pesquisa, apenas para doutorandos e pesquisadores. Uma foto da biblioteca vista da outra margem do Sena, aqui. Outra, aqui. Em tempo, na entrada, deparamos com um personagem parecido com o do filme Coeurs de Alain Resnais, à vontade, explicando à bibliotecária que estava à procura de emprego e que, sem dinheiro (rapaz jovem, como no filme), precisava consultar a internet.

19.11.07

Ainda a greve

A imprensa majoritária é vigarista em qualquer lugar. 180 kilômetros de congestionamento em Paris, interrupção das negociações dos ferroviários com o governo, paralisação nas universidades, e o Figaro Magazine da manhã diz que "a greve já terminou" e que "Sarkozy não cedeu". Ademais, as manchetes sobre a greve nos jornais vêm sempre precedidas pela expressão "regimes especiais". Esperteza: assim não se discutem os regimes privados, além disso dá-se a impressão à população de que os cortes do orçamento do governo devem começar justamente em cima dos ferroviários (e da universidade). Não tenho informações precisas, mas a primeira intervenção econômica de Sarkozy foi reduzir impostos para o grande capital.

18.11.07

Diabolus en musica

Não, não se trata do disco do Slayer lançado em 1998, puro heavy-metal. Muito embora o "mi contra fá", que dá origem ao que os teólogos da idade média chamavam de "diabolus en musica", em virtude de sua dissonância, seja evocado também pelo grupo de música medieval que se apresentou hoje na recolhida capela da igreja Saint-Denys, no 18e, para poucos ouvintes. Música dos séculos XII e XIII, escolhidas para o programa. Precisamente, o que se produziu na École de Notre-Dame entre 1170 e 1240, como nos informa o diretor do conjunto, Antoine Guerber. Início da polifonia incorporada à liturgia, contra a monodia/monotonia gregoriana (desculpe-me Fefê). O conjunto Diabolus en Musica, composto por Raphaël Boulay, Olivier Germond, Jean-Paul Rigaud, Geoffroy Buffière, Emmanuel Vistorky e pelo baixo Christophe Grapperon, se apresentará ainda em 2 de março em Zamora, Espanha, no Festival Portico de Semana Santa, e novamente em Paris no dia 22 de maio. A agenda completa está aqui. É possível ouvir um trecho do maravilhoso programa de hoje entrando no site, clicando na barra "programmes" e procurando a imagem do disco ao lado. Com relação a outras apresentações de música vocal, um site interessante é o Fevis (Federação dos conjuntos vocais e instrumentais especializados, que traz uma agenda de apresentações).

16.11.07

Guia prático Vélib

Depois que o Pablo levou quase uma hora caminhando para fazer sua consulta de seguro de saúde, decidimos nos render à Vélib, idéia, diga-se de passagem, nada original em tempos de greve (150 mil empréstimos só no dia 14 de novembro). Antes de conseguir nossas bicicletas, passamos por 3 estacionamentos: um com fila para fazer a assinatura, outro com bicicletas insuficientes considerando-se a fila antes de nós, outro sem bicicletas mesmo! Na página web a coisa, apesar de simpática, parece bem complicada: regras de trânsito e possibilidades de multa, autorização indispensável de 150€ para caso você faça alguma coisa errada (quebrar a bicicleta ou não devolvê-la em 24 horas), cobrança de 1€ pela primeira meia hora suplementar, 2€ pela segunda, 4 pela terceira, etc. Na prática, decide-se o uso da Vélib por 1 ou 7 dias (a assinatura de uma ano é outra história, feita pelo correio e tudo o mais), paga-se 1€, 5€ (ou 29€ no caso de 1 ano) e pronto. O único problema é que a gente se anima tanto que sai pedalando sem medir até onde as pernas agüentam. Jeito ótimo de deixar os carros parados nos congestionamentos para trás e conhecer muitas ruas da cidade a que guias turísticos certamente não nos conduziriam. Ah!, é bom lembrar, em 30 minutos anda-se em média 3 a 4 km numa cidade plana como Paris, parando nos semáforos, esperando os pedestres, etc. Fizemos, passeios de ida e volta, 6 km, numa temperatura, a propósito, não muito agradável: 3 graus.

Diálogo sobre a greve

Diálogo na Rádio BFM com os ouvintes, início da tarde:
- Bom dia.
- Bom dia. Liguei porque ontem eu estava assistindo ao jornal da noite e vi uma coisa que me transtornou.
- Sim.
- Na verdade, era um vídeo que mostrava uma reunião de grevistas.
- Sim.
- Havia, no meio deles, um casal que dançava um rock.
- A senhora não gosta de rock?
- Não, não é isso. Ontem as pessoas todas caminhando para seu trabalho e esses jovens lá, tirando de nossa cara, das pessoas que estavam sofrendo.
- Você trabalha?
- Não, não trabalho.

15.11.07

Hoje sim

Não sei se foi porque a imprensa daqui falou de uma baixa adesão na greve de ontem ou pela sensação de feriado (a caminhada no parque, as famílias fazendo compras no Lidl). Hoje, como a maioria dos parisienses, imaginamos que a paralisação iria terminar. Saímos cedo, destino curso de Roger Chartier e Biblioteca François Mitterrand. A greve, no entanto, está a toda e acaba de ser prorrogada para amanhã em toda a rede. Trens absolutamente lotados passando a cada 20 minutos, com uma surpresa: numa cidade onde as relações são por vezes silenciosas, foi possível ouvir alguns gritinhos no fechamento das portas dos vagões. O suficiente para desistirmos da empreitada e seguirmos para o Récollets. Mais uma semana de greve, aliás, corre o risco de adiantarmos uma boa parte do trabalho.

14.11.07

Curiosidade e greve

Dia de paralisação de ferroviários e estudantes, hoje. Mas uma volta no bairro deu a impressão de que, diferentemente da greve passada, as pessoas não saíram muito de casa para trabalhar. Com sol, alguns jovens correndo no Canal Saint-Martin, famílias passeando, outras fazendo compras no incrivelmente popular supermercado Lidl e na feira de Belleville. Oportunidade, portanto, para também sair e caminhar, e fazer fotos. Uma curiosidade no caminho, desde que chegamos notamos uma movimentação suspeita perto da grade acima, na frente de nosso quarto: homens retirando coisas de um saco plástico ao longo do dia. Hoje descobrimos, são latas de comida. Isso para lembrar-nos de que há uma população em Paris que não come verduras, frutas, carnes e que, mesmo assim, o governo prefere manter os subsídios dos agricultures e as barreiras aos produtos agrícolas extrangeiros. Mas isso não inquieta tanto os franceses quanto a greve dos ferroviários. Ouvem-se os argumentos dos dois lados (governo e sindicalistas), o que é bem diferente do Brasil. Uma rodada pelos canais de informação mais freqüentados mostra, todavia, a posição majoritária da midia. Diz-se abertamente que os benefícios de aposentadorias das carreiras estatais devem ser abolidos (posição do governo), através de uma argumentação cuidadosa, embora frágil: comparar com a aposentadoria na iniciativa privada. Os ferroviários aposentariam com o último salário quase integral, ao passo que na iniciativa privada seria feita a média dos últimos 20 anos. O que os canais de informação omitem, no entanto, e que há uma clara diferença de salários (na iniciativa privada ganha-se bem mais) e que os empregos públicos correspondem a serviços essenciais, e que portanto deveriam ser melhor remunerados. Mas a discussão é longa, como no Brasil.

13.11.07

A pleno vapor

Acabou de abrir a temporada de reservas para os ensaios gerais da Opéra National de Paris. No site da própria Opéra, link aqui. Para os que vêm à Paris, seguem as datas: Luisa Miller, 13 de fevereiro, Parsifal, 25, The Rake's Progress, 6 de março, Wozzeck, 26, Le prisonnier, 9 de abril. Mas é preciso ir rápido. A cada reserva feita, o número indica que mais 15 pessoas já reservaram. Todas no anfiteatro da Bastille, 7 da noite.

12.11.07

Sem notícias

Para os que imaginaram que o Sr. Fabrício Matheus estava perdido em Paris... Sem planejamento prévio, conseguiu um albergue de 13 euros com café da manhã e "o sorriso dos/das recepcionistas", depois de conversar com uma japonesa que falava espanhol em Bordeaux! Em tempo, nesses últimos dias andou chovendo bem aqui. A tempestade começa aparentemente, no entanto, amanhã. Ao que tudo indica, haverá uma jornada de greve dos ferroviários e estudantes, podendo estender-se pelos dias seguintes. Dupla reivindicação: contra a retirada de benefícios trabalhistas e contra a reforma universitária que se pretende implentar (as notícias mais interessantes podem ser lidas no Rue89). Portanto, dia de preparar as provisões para a greve: imprimir arquivos, trocar os livros nas bibliotecas e ir ao supermercado. A foto ao lado, intitulada Boutique, 16 rue Dupetit- Thouars é de Eugène Atget.

10.11.07

Rouen (Ruão) passada a limpo

Ontem fomos à Rouen, capital da Normandia. Dia incessante, sobretudo em suas 2 horas finais: no pub da estação de trem, esperando o horário de nossas passagens em promoção. Durante o dia ensolarado (embora frio), caminhada pelo centro da cidade: Cathédrale de Rouen, em reforma, pedras escuras, outras limpas e a dúvida sobre o que nos parecia mais adequado; Église Saint-Maclou, também em reforma; Abattiale Saint-Ouen, igualmente. Nada disso, diga-se de passagem, indicado no site da prefeitura. Flambe en neuf (novo em folha), como dizem aqui, só o Musée de Beaux-Arts, uma parte do Parlement de la Normandie (atualmente Palácio da Justiça) e a igreja, isso mesmo (acima), da Santa Joana D'arc, na praça do velho mercado onde foi queimada. Em tempo, uma descoberta na rue de l'Hôpital: a queijaria do simpático François Olivier. Seguem as fotos de sua cave.

8.11.07

Encontro inesperado

Ontem, depois de um dia de colóquio Heidegger (sobre a noção de vontade) na Maison de la Recherche, resolvemos sentar para um descanso no jardim da Église Saint-Séverin, próximo ao Quartier Latin. Fim de tarde, ameaçando uma garoa fina. Para nossa surpresa, no entanto, eis que encontramos com uma mochila de viagem e uma garrafa de vinho no colo o agora internacionalmente conhecido Mineiro (Fabrício Matheus, foto ao lado). Em sua temporada em Paris, depois de peregrinar por Barcelona, San-Sebastian, Nantes, Bordeaux e rumo a uma viagem longínqüa e incerta, talvez Bruxelas, talvez Cologne, à l'aise, sorridente. Para comemorar a coincidência, fomos tomar uma cidra e comer galettes no simpático pub bretão Ti jos (20 rue Delambre, em Montparnasse), seguindo a pé (mantido o espírito peregrinante!) pelos 2km que levam à Tour-Eiffel.

6.11.07

A moça cortada em dois











La fille coupée en deux
(Claude Chabrol, 2007), com Ludivine Saigner, no celular, dividida entre uma paixão por um escritor de best-sellers, François Berland, e por seu rival, o jovem pretendente acima, Benoît Magimel. Trio absolutamente desinteressante: uma apresentadora da previsão metereológica, um escritor célebre mas previsível, e um herdeiro de uma família de Lyon (tolo, excessivo, espécie de Leonardo di Caprio que passou do ponto). Justamente aí, no entanto, o cinema de Chabrol: no mal-estar que nos causam as personagens e circunstâncias absolutamente fúteis. Numa espécie de vazio (a palavra é dita algumas vezes por Ludivine) que envolve cada uma delas e do qual o diretor tira o seu proveito. Como diz bem o Nouvel Observateur, "Dans ce film cochon tout est bon" (o link traz uma entrevista com o cineasta).

5.11.07

A senhora do metrô

Acabo de notar que Alyssa Hursh, responsável pela divertida foto da senhora no metrô, pôs um comentário no blog. Descobri, ademais (como já imaginava) que a foto foi obtida clandestinamente. De fato, não é tão simples assim fotografar desconhecidos sentado justamente diante deles, ainda mais no metrô. Isso para dizer que outro dia tive impressão de ter visto a tal senhora na esquina da rue Saint-Jacques, na hora do rush, pilotando uma velib. Especulei: terá desistido do metrô, depois de ter descoberto que a sua foto circula livremente na internet? Pode ter se sentido invadida, sem privacidade. Enfim, façamos bons votos para que não seja mais uma vítima de atropelamento em Paris. A prefeitura esconde, mas já foram 3 mortes de ciclistas no ano (é claro, nada comparável aos motoboys de São Paulo).

4.11.07

2 museus

Primeiro domingo do mês, visita gratuita na maior parte dos museus de Paris. Escolha do dia: Musée National du Moyen Âge (Museu da Idade Média) e Musée Picasso. Um parêntese: da vez passada em que estivemos em Paris, decidimos (nós e boa parte dos turistas) visitar o Musée d'Orsay. Programa exaustivo: museu cheio, horas na fila, funcionários em fúria. Hoje pela manhã, diferentemente, a visita ao Muséu da Idade Média (ilustrado pela foto ao lado da Santa Bárbara) esteve agradável. Conjunto maravilhoso de esculturas, tapetes, objetos, mesclando-se arte medieval e sítio arqueológico (as termas de Lutécio). Vitrais de antigas igrejas na França, pinturas. Na internet, indo ao site do Flickr e buscando o endereço em Paris, há mesmo várias imagens do museu. Já à tarde, exposição Picasso Cubiste, com muita expectativa. É uma das exposições com mais propaganda na cidade, perdendo apenas para a de Giacometti no Centre Pompidou e de Courbet no Grand Palais. O percurso cronológico da obra, além disso, parecia interessante. O excesso de didatismo e a presença de muitos esboços desiguais (que permitem observar em Picasso um pouco mais do que a aparente facilidade técnica) apressaram, no entanto, nossa visita. A exposição, ademais, retirou temporariamente das paredes o acervo permanente do museu.

3.11.07

Basse-Bellevilloise e Comédie Française

Ontem, caminhada por uma parte do 10e arrondissement, do lado oposto ao que estamos hospedados, atravessando o Canal Saint-Martin: metrô Belleville, Faubourg-du-Temple, rue Saint-Maur, place Sainte-Marthe. Outra Paris (fotos no flickr): sem turistas, com prováveis moradores sans-papiers, com prédios antigos sendo demolidos para dar lugar a outros, faixas na frente de comércios explicando que a prefeitura está retomando aquele imóvel, comércio desaquecido. Abandonada e suja. À noite, para o máximo contraste, 1er arrondissement, representação do Malade imaginaire na Comédie Française, salle Richelieu. A morte, em pleno dia dos Mortos, está por toda a parte. O próprio Molière morreu durante a quarta representação, em 17/02/1673. O diretor, Claude Stratz, morreu no último 04/04. A peça, à parte uns muros subitamente destruídos na última cena com a finalidade de dar lugar à cerimônia dos médicos, é irretocável: forte oposição entre Argan (o doente, neurótico perfeito bem antes de Freud, interpretado por Alain Prelon) e sua empregada Toinette (Cécile Brune). Paródia do que não se pode remediar, com momentos lentos e tensos, balés carnavalescos graciosos, gargalhadas inquietas.

1.11.07

Los Muertos y las muertas

No dia de Todos os Santos (Toussaints), Cemitério Père-Lachaise, descanso eterno de muitos depois de terem sido convencidos de que o melhor lugar não era necessariamente dentro ou ao lado das igrejas (costume até o começo do XIX), mas próximos de Molière, Abélard e Héloïse ou de La Fontaine, cujos restos foram sabiamente transportados para ali em 1817. Desse momento em diante, vários ilustres: dos Rothschild a Chopin, de Sarah Bernhardt a Mondigliani, Delacroix e Géricault, passando por Musset, Colette, Michelet, Nerval, Hugo, Balzac, Wilde e Jim Morrison. Jim Morrison? Sim! Andamos feito loucos (sem levar mapas), por escadas, arbustos e túmulos até chegar a uma covinha feia, simples, escondidinha... mas com rosas, velas, fãs (alguns com garrafas de Cinzano) e curiosos. Estranha homenagem ao pai do pablo, Marcos Kilzer, que, imaginávamos, talvez fizesse o mesmo. (O link é para uma entrevista de Erasmo Carlos).